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ATENÇÃO AO SÁBADO de Clarice Lispector

Porque é sempre bom ler Clarice. Porque hoje é sábado. Porque existem desejos.

ATENÇÃO AO SÁBADO

Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.

No sábado é que as formigas subiam pela pedra.

Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.

De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana.

Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?

No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.

Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.

Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.

Domingo de manhã também é a rosa da semana.

Não é propriamente rosa que eu quero dizer.

Clarice Lispector (do livro “Para não Esquecer”)

E como Clarice é como uma droga pesada, que vicia e entorpece, vale a pena assistir uma entrevista visceral. É só ver no Youtube. Ela decidiu que deveria deixar um testemunho, foi até a Tv Cultura do RJ para falar, porque encasquetou que iria morrer. O que realmente aconteceu um mês depois, em Dezembro de 1977. E ela ainda fez a equipe assinar um documento que só permitiria a exibição pública da entrevista após sua morte. A entrevista é um depoimento de dentro da alma, da alma de Clarice.

Entrevista com Clarice Lispector em 1977 – Parte 1
Entrevista com Clarice Lispector em 1977 – Parte 2
Entrevista com Clarice Lispector em 1977 – Parte 3
Entrevista com Clarice Lispector em 1977 – Parte 4
Entrevista com Clarice Lispector em 1977 – Parte 5

Anarca, feminista, vegana, cat lady, bookworm, roller derby, hiperbólica, entusiasta das plantas e constante aprendiz. Rainha de paus, professora de história, amante de histórias. Meu peito é de sal de fruta fervendo num copo d'água. ♀️✊Ⓥ

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pinkperry
13 de setembro de 2008 5:07 pm

“Clarice é como uma droga pesada, que vicia e entorpece”. De fato. Essa entrevista dela é muito boa, aliás, como não seria!

Cecília
17 de setembro de 2008 10:12 am

A única coisa possível, agora, é parar tudo o que eu estou fazendo e assistir ;]

fernanda Soares
7 de fevereiro de 2016 7:19 pm

Quando conheci a Clarice, simplesmente minha vida mudou! Aprendi muito com a literatura dela. O jeito de descrever as coisas, dar vida e importancia a tudo. Animal, objeto ou qualquer coisa em qualquer lugar ou dimensão… Amo a Clarice Lispector

Maria
Responder para  fernanda Soares
21 de março de 2016 1:34 am

Sempre perfeita Clarice ….Esplêndido!!!

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