Diário (ou quase)

Tragédia Particular

No dia 07 de Abril desse ano um acontecimento foi notícia em diversos programas de televisão. Um jovem homem entrou em uma escola do Rio de Janeiro e disparou contra os alunos e matou doze adolescentes e a si próprio. Tal notícia, uma tragédia, tocou diversos brasileiros e também a mim. Chorei com os depoimentos e me solidarizei com as vítimas e seus familiares.

Entretanto, não pude deixar de relacionar essa tragédia coletiva, compartilhada e chorada por muitos brasileiros, com nossas tragédias particulares. No mesmo dia das mortes lá no Rio de Janeiro completavam onze anos da morte de meu pai. Era um dia de luto, mesmo antes dessa triste notícia chegar a meus ouvidos.

Meu pai também morreu sob circunstâncias trágicas. Mas ao contrário das mortes das crianças cariocas, sua morte não virou notícia de jornal. Ninguém, além da família e amigos, choraram sobre seu corpo no velório. Ninguém deixou flores no local em que ele foi assassinado. A polícia não montou nenhuma força tarefa para encontrar o assassino, mesmo com provas bastante evidentes de quem poderia ter encomendado o crime. Ele estava envolvido em um complexo triângulo amoroso. Um dos integrantes estava envolvido em atividades ilícitas, e não era o meu pai.

Sua morte não virou comoção nacional. Não há romaria em direção ao seu túmulo todos os anos. A porta do hospital no qual ficou em coma por três dias não foi interditada pela multidão clamando por notícias do açougueiro que foi assassinado em sua própria cama.

Sua morte foi silenciosa, mas nem por isso menos sentida, menos chorada, menos trágica. Ele era um homem de 43 anos, jovem aos olhos de seus irmãos. Vivia com uma mulher que eu sempre vi como a verdadeira madrasta de contos de fadas. Minha mãe já não era mais a esposa e não gostava muito que eu fosse visitá-lo. Mas eu ia, e adorava passar uma ou duas horas com ele em alguns finais de semana.

Assim foi até meus 16 anos, ainda estava no colégio e foi lá, durante o recreio, que recebi a notícia de que meu pai estava internado em estado grave no Hospital de Pronto Socorro em Porto Alegre depois de receber um tiro na nuca e ser encontrado pela esposa horas depois. Foi isso, sem tirar nem pôr, que me falaram ao telefone. Não consigo lembrar como reagi. Foi um choque. Lembro apenas que essa foi a pior notícia que já recebi.

Aquela semana de incertezas, lágrimas e de um vazio que dificilmente será preenchido, ainda é um borrão de memória. Mas minha tragédia particular permanece, sofro com ela há onze anos e penso em todos os verbos no futuro do pretérito que sua ausência me obriga a conjugar.

*Texto produzido para a disciplina de Leitura e Produção Textual do curso de Letras Bacharelado – UFRGS em 2011/1. Publicado hoje porque reflete meu sentimento sempre que o Dia dos Pais se aproxima desde 07/04/2000.

Anarca, feminista, vegana, cat lady, bookworm, roller derby, hiperbólica, entusiasta das plantas e constante aprendiz. Rainha de paus, professora de história, amante de histórias. Meu peito é de sal de fruta fervendo num copo d'água. ♀️✊Ⓥ

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Mi Müller
13 de agosto de 2011 9:22 pm

Dani querida, sei bem que palavras parecem vazias nesse momento, mas saiba que a tua história me tocou demais e que sim não tenho como fugir de te dizer que sinto muito por tudo isto que tu passastes.
estrelinhas coloridas para alegrar teu coração 😀

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