Reflexões

Eu sou gaúcho…?

Nos festejos da Semana Farroupilha, o que poderia, talvez, ser um orgulho para todos os gaúchos e gaúchas torna-se uma vergonha. Alguns grupos tradicionalistas evidenciam muito mais seus cavalos e apetrechos de guerra do que algum tipo de valor. Destacam a valentia e o machismo, como quem precisa disso para ser homem. Cultuam um espírito de violência com o pretexto de cuidar de suas estâncias e fazendas. E assim apenas maltratam a querência que não deveria ter dono nem cercas, para que todos pudessem ter o churrasco e o mate de cada dia. Fazem um alvoroço contra os sem terra, esquecendo as lutas do passado e o espírito de Sepé Tiaraju que ainda hoje grita em favor dos pobres da terra. Como falar de liberdade, igualdade e humanidade sem repartir a terra, vivendo um modo de vida onde um é o patrão e os outros são pobres peões sem eira, nem beira?

E para aumentar a vergonha, vemos o evento histórico da Revolução Farroupilha ser usado politicamente por Rigotto, um governo medíocre que desmontou nossa Universidade pública estadual e não fez nada que pudesse melhorar a vida do povo rio-grandense. E agora, inventou a campanha do “Orgulho Gaúcho” como uma forma de usar dinheiro público para fazer propaganda de um governo de “faz de conta”, uma administração de fachada e fortalecer a ideologia dos poderosos. Também aproveitam o momento de crise polí­tica nacional para resgatar a saudade de um velho caudilhismo, e quem sabe promover figuras políticas que até hoje não puderam ter nenhuma expressão através do trabalho. Por tudo isso, é preciso dizer que temos que repensar nosso jeito de ser gaúcho, ver o que realmente dever ser motivo de orgulho para não nos envergonharmos mais ainda.

No caso da identidade gaúcha, podemos assistir a uma determinada produção de sentidos que obtém um espaço privilegiado na constituição do campo de significação do que “é ser gaúcho”. Pode-se falar na predominância da representação do gaúcho do pampa, do meio rural, corajoso e destemido. São elementos que fazem parte do “mito do gaúcho”, o qual, engendrou um tipo, uma personalidade, que passou a identificar idealmente o gaúcho e impor-se como padrão de comportamento. É importante ressaltar aqui o papel que tem o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), criado em 1966, no sentido de ser um aglutinador destes significados presentes no chamado mito do gaúcho. O MTG coordena as ações dos Centros de Tradições Gaúchas (CTG) a ele filiados e demais entidades do gênero, realizam anualmente o Congresso Tradicionalista, coordena e dá assessoria a eventos como rodeios, festas campeiras, festivais nativistas, concursos de prendas e artí­sticos.

A preocupação do MTG para que as crianças aprendam, desde cedo, a maneira como se tornar gaúchos e gaúchas é latente. Barbosa Lessa, no primeiro congresso do MTG, realizado em Santa Maria no ano de 1954, defendeu a tese “O Sentido e o Valor do Tradicionalismo”, na qual aparecem as duas grandes questões do Tradicionalismo. Ao lado da assistência a ser dada ao homem do campo, a grande questão é a atenção a ser dada às novas gerações, pois, segundo o seu autor, o Tradicionalismo deve “operar com intensidade no setor infantil ou educacional, para que o movimento tradicionalista não desapareça com a nossa geração.

É clara a preocupação com a renovação do Movimento, com a construção de novos gauchinhos e prendinhas. Assim, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), expande e espelha o estereótipo do gaúcho,

O mito do gaúcho é desenvolvido com os valores da oligarquia rural e de setores industriais urbanos. Criam-se, então, heróis ordenados a partir do ideal positivista, ligando o passado com o presente, na estrutura capitalista das forças econômicas e folclóricas e, como produto cultural, o espelho dos estereótipos a partir da raiz mitológica histórica.

Assim, o gaúcho domina o cavalo, o laço, as boleadeiras, tem uma fala (linguajar campeiro) peculiar, misturando a lí­ngua portuguesa com a influência castelhana, com vocábulos herdados dos indígenas e dos imigrantes. A partir do mito histórico, tem-se o estereótipo do gaócho no seu jeito de ser e de se portar. O ser rio-grandense é uma mescla de várias influências étnicas: indígenas (caingangues, charruas, minuanos, guaranis), diversas etnias dos africanos trazidos para cá à força (embora temtem negar a todo custo), portugueses, açorianos, alemães, italianos: há uma miscigenação na formação cultural e na integralização, formando a brasilidade na eliminação das fronteiras, através de novas culturas unidas às suas raí­zes históricas e tradicionais.

O termo gaúcho vem de, entre muitos outros, chauch, chaucho, guacho, gaudeo, gauche. Os capitães-generais, as autoridades e os proprietários viam o gaúcho como ladrão; os comandantes das tropas, como isca para os inimigos; nas guerras de independências, como lanceiro, miliciano; para o homem da cidade, ele é o peão de estância; para o poeta, o bom ginete, o monarca… Há em tudo isso um esquema comportamental, um estereótipo.

O gaúcho possui elevada autoestima, orgulho de sua terra e sua gente, um desejo de realidade positiva, espelha-se mais no passado, no ambiente rural e nas percepções históricas. Isso, no entanto, pode ser falso, uma cegueira deliberada para seguir adiante; também assume uma posição de marginalização como uma dupla consciência – o orgulho de ser gaúcho e de ter um passado heroico e a consciência de que o presente não possibilita mais a nostalgia.

Anarca, feminista, vegana, cat lady, bookworm, roller derby, hiperbólica, entusiasta das plantas e constante aprendiz. Rainha de paus, professora de história, amante de histórias. Meu peito é de sal de fruta fervendo num copo d'água. ♀️✊Ⓥ

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bi
bi
24 de setembro de 2006 9:30 pm

Tá!!!

Agora vai ficar publicando os teus Papers da facul aqui!?

Assim não pode. Assim não dá!

Last edited 3 anos atrás by Daniela
Aline
27 de setembro de 2006 6:38 am

O que eu percebo é que, infelizmente, alguns (muitos) espertinhos tentam utilizar o orgulho gaúcho para atrair eleitores, citando façanhas passadas que eles próprios não seriam capazes de repetir se necessário.
Mas acima de tudo isso ainda existe aquela real consciência do que é ser gaúcho, e essa sim deve der cultivada 🙂

Last edited 3 anos atrás by Daniela
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