Todos os anos, no dia 7 de setembro, o Brasil comemora o seu “Dia da Independência”. Nas escolas os professores incentivam as crianças a usarem adereços, chapéus e espadas de papel com fitas adesivas e bandeiras verde-amarelas que lembram tal acontecimento. Para acabar com essa data de “orgulho nacional”, bastaria mencionar, de início, que a grande maioria da população ficou excluída historicamente de todo o processo de emancipação política.
Os portugueses haviam feito a sua revolução liberal, implementando a Regência de Cortes Constituintes. Porém, o conteúdo liberativo tornou-se conservador, uma vez adotadas as medidas recolonizadoras em relação ao Brasil. Houve uma reação das classes dominantes, constituindo-se no “partido brasileiro” que iria defender a permanência de D. Pedro em terras tupiniquins, acarretando o “Dia do Fico”. O príncipe, manobrado pela elite nacional, entregou a Pasta do Reino para José Bonifácio (representante da aristocracia rural). Criou-se, então, o ministério brasileiro. O país já não obedecia à Corte. O caráter dos decretos ministeriais era claramente antidemocrático; reservava a participação política – o voto – às classes abastadas. Todavia, dentro dessas classes persistiam divergências relevantes: a burguesia colonialista portuguesa defendia a recolonização; a aristocracia rural do Norte e Nordeste queria o federalismo radical (separatismo); a do Centro-Sul zelava pela unidade territorial e preservação da ordem social; e as camadas populares urbanas buscavam reformas sócio-estruturais. Os sulistas venceram.
Todos eles, com poucas exceções, ignoravam a questão dos fundamentos escravistas da sociedade brasileira. Seus privilégios estavam acima de tudo. Os homens livres não-proprietários também permaneceram nulos no processo de independência. Retomando: estava o príncipe às margens do Ipiranga… leu as cartas a ele endereçadas e diz-se que proferiu o célebre dito: “Independência ou morte!”. Mais tarde viria a ser o imperador.
A população brasileira, inerte às manobras políticas, continuou pobre, escravizada, endividada, alienada, sujeita aos mandos e desmandos da monarquia de D. Pedro e, posteriormente, de muitos outros governos e regimes. Naquele instante o trunfo foi da união do conservadorismo aristocrata rural com o absolutismo do príncipe. Até hoje, nos latifúndios e nas fábricas, os trabalhadores ainda não escutaram o grito do Ipiranga. Talvez um dia eles mesmos irão berrar (alto!), e a independência passará a ser algo mais que “um voto nas eleições” ou um feriado na “semana da pátria”.
O governo Lula está tentando mudar o caráter da “maior festa”cívico militar do país, o desfile de Sete de Setembro. A ideia é retirar ou pelo menos reduzir substancialmente o caráter militar da cerimônia para transformá-la num “espetáculo cívico”, em Brasília, com a exibição até de produtos da indústria nacional, para “levantar” a autoestima da população.
A nominal independência política do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, não significou a independência do povo brasileiro. Pelo menos para a maior parte dele.A elite econômica da época acabou criando um liberalismo sui generis no Brasil que visava a garantia de seus principais interesses: a manutenção das relações escravistas, a concentração da propriedade da terra e a consolidação da unidade imperial. A Constituição de 1824 fundou um estado juridicamente desigual ao garantir direitos individuais à elite branca e tolerar a escravidão dos negros.
É este medo do negro, do pobre, da rebelião, que aflige o inconsciente coletivo da elite brasileira até os dias de hoje. Os quilombos converteram-se em favelas; os insurgentes em traficantes de drogas; a criminalização do negro em criminalização do pobre. E a guerra continua. O medo continua.
No Brasil do medo, os mass media noticiam: “Mendigo é encontrado morto na rua”, “Traficante é morto pela polícia”, “Menor mata adolescente para roubar um boné”. Tal como escravos, não são homens e mulheres, mas coisas que morrem e, muitas vezes, matam para roubar. Suas mortes representam menos para a nossa sociedade que a morte de um escravo no século XIX. Eles não têm donos que perdem dinheiro com suas mortes.
A reação natural ao medo é a guerra ao inimigo, pois somente sua exclusão – sua morte – trará a paz. No dilema entre a independência ou morte, a elite brasileira optou por sua independência à custa da morte das massas.
A solução repressiva, no entanto, gera uma nova dependência das elites: a dependência do seu próprio medo. Os independentes estão presos em suas casas muradas, em seus carros blindados e em seus shopping centers. Não há independência unilateral.
Para que Portugal reconhecesse sua independência política, o Brasil concordou em pagar-lhe 2 milhões de libras como compensação pela perda da antiga colônia. Para que o Brasil se reconheça como independente, as elites econômicas terão que pagar às massas seus direitos à educação, saúde, trabalho, moradia e tantos outros garantidos na Constituição da República de 1988. A elite brasileira só proclamará a independência de seus medos, quando indenizar as massas pela miséria, pela exploração e pelas mortes causadas.
O dilema da “independência ou morte” só se resolverá quando a independência de uns não estiver mais condicionada à morte dos demais. Só assim os pobres se libertarão de seus cárceres e os ricos de seus medos.
No meu entender, adiamos mais uma vez a possibilidade de legitimar os festejos de sete de setembro e realizar de fato a nossa independência. A resolução da crise que estamos vivendo vai apontar o tamanho deste adiamento. Cabe desconsiderar as imagens e evitar o comportamento hipnótico.
oi… adorei o blog. e sobre esse lance de sete de setembro, achei muito bom seu texto. se mais pessoas se dessem ao trabalho de analisar criticamente as coisas, acho que não teríamos tantos políticos corruptos no poder… 🙂
Obrigada, mas acho realmente que não precisamos de quem está no poder… o poder popular é muito mais forte. e o povo organizado pode usurpar desses vermes o que é nosso por direito!