Lendo

A Criança Roubada (Keith Donohue)

Esse livro me pegou de jeito mesmo! Uma narrativa que me fisgou logo nas primeiras páginas e de um dinamismo, um detalhismo e uma criatividade maravilhosos.

A Criança Roubada é um conto de fadas, mas ele é diferente de todos os contos de fadas que eu já li (não que eu tenha lido muitos). Ele é quase um drama, uma história difícil e profunda.

Uma criança foge de casa por motivos bobos e se esconde na floresta, Henry Day. O que o pobre menino não sabia é que vinha sendo observado havia muito tempo por criaturas que pretendiam ocupar o seu lugar no mundo.

São fadas, mais do que isso (o próprio personagem explica, logo na primeira página do livro), são hobgoblins – ou changelings (do inglês “to change” = “trocar”) que um dia foram crianças e esperam para poder ocupar o lugar de outra criança quando chegar a vez. A troca acontece e a partir daí a narrativa segue em dois planos, a do menino sequestrado, transformado em fada e último da fila para ocupar novamente o lugar em alguma família, e a fada que se transformou no menino e tomou seu lugar.

O autor, em seu romance de estréia consegue chegar a uma narrativa instigante, riquíssima e profunda. Cada história, a do menino que virou fada e da fada que virou menino, percorrem caminhos que eu não poderia imaginar. Ambos enfrentam os problemas reservados à nova vida. Como ser uma fada? Como usar esses poderes novos? Como compreender esse novo mundo? E ainda por cima o desejo da memória.

Henry se esforça para não esquecer da vida anterior, do rosto da mãe, do pai, das irmãs. Inútil tentar. A cada dia que passa esses rostos, os nomes, o próprio nome não passa de um borrão (ele foi rebatizado como Aniday). Mas ele tenta, e tenta incansavelmente. E um dos pontos que mais me conquistou no história foi a fome pelos livros. As horas que ele passava no porão de uma biblioteca lendo ao lado de uma companheira de jornada que encontrou no grupo de fadas. E lendo de tudo. Começam lendo livros infantis e passam para os grandes clássicos da literatura. Um adulto preso em um corpo de criança por décadas, até escolher uma criança para se transformar. E seu único legado é um livro que escreve com tudo que foi possível lembrar, a partir de uma arqueologia primária, dos restos que ele produziu e deixou ao longo de sua vida.

A fada que virou menino tenta se adaptar ao mundo novo, longe da floresta, e assombrado pelos fantasmas da sua vida antes de também ter sido sequestrado e se transformado em fada. Ele quer descobrir quem era, tentando ser alguém que já não existe. Relembrando talentos da vida passada sem parecer suspeito. Sua vida correndo até chegar à idade adulta e partir em uma jornada de descobrimentos. Quem eu era? E o quase abandono do quem se transformou.

A narrativa aborda de forma brilhante os medos e angústias que a sociedade individualizante, que aliena o ser, gera nos sujeitos. Ao ler sobre essas duas vidas que se cruzaram por um breve momento e trocaram de lugar, no deparamos com desejos, medos, sentimentos,  intrínsecos do humano. Existe uma identificação com a veracidade dos personagens, e ao mesmo tempo estamos em um mundo fantástico, delicado e avançando na complexidade da busca pelo passado, por uma história própria que delegue sentido para suas vidas. A narrativa explora a transição de ambos: da infância para a vida adulta, a busca por uma identidade própria, mesmo na situação de serem crianças roubadas.

Uma trama bem construída e consistente capaz de provocar emoções intensas. Durante vários trechos lágrimas brotaram e escorreram pelo meu rosto. Algumas citações foram marcadas para utilizar no futuro e outras passagens me trouxeram as sensações da infância. Enfim, um livro completo que eu recomendo de coração.

Anarca, feminista, vegana, cat lady, bookworm, roller derby, hiperbólica, entusiasta das plantas e constante aprendiz. Rainha de paus, professora de história, amante de histórias. Meu peito é de sal de fruta fervendo num copo d'água. ♀️✊Ⓥ

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14 Comentários
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Mi Müller
13 de janeiro de 2010 8:36 pm

Caramba Dani que história legal… afff fiquei louca pra ler. Tua resenha está tri! Vou garimpar um exemplar pra mim!
estrelinhas coloridas…

Alice Désirée
14 de janeiro de 2010 7:40 pm

O livro parece ser bem interessante! Vou botar na minha lista para ler do skoob! ^^ Se vc tiver skoob me manda o link! Se vc n souber o q é skoob: skoob é tipo uma rede social onde vc faz uma estante virtual dos livros q vc já leu, tá lendo ou vai ler! o site é www . skoob . com . br
Botei separado assim porque seu blog pode achar q é cookie.
Mas no início do seu texto eu podia jurar que era muito parecido com Onde Vivem Os Monstros que eu ainda n li/assisti, mas creio q seja parecido e eu quero muito ver o filme! hehe..
Bjs!!
=1

Iurao
Iurao
16 de janeiro de 2010 9:27 pm

Desculpe por invadir o bog, mas boa a resenha e o livro parece ser interessante, me faz lembra do Mundo de Sofia.
Pena que literatura em nosso país ainda seja cara, o que dificulta um pouco a leitura, temos que aproveitar oportunidades como essa que teve para comprar o referido livro!
Tenho skoob, passa lá depois:skoob.com.br/perfil/iurao
Abaços e excelente o seu Blog

Diego
16 de janeiro de 2010 11:09 pm

Tua resenha comprou minha curiosidade, parece ser bom mesmo.
Fui dar uma olhada na Saraiva e está um pouco caro, mas ficarei esperto no caso de promoção por lá. 😀

Emi
Emi
17 de janeiro de 2010 3:59 am

Engraçado que é um livro que eu acho que não compraria ou não pegaria pra ler 🙂 Agora fiquei com vontade e levo de novo a lição de não julgar pela capa ou pela primeira impressão… ó.

Gabriel
17 de janeiro de 2010 4:44 pm

Cara, gostei muito do blog e naum achei nerd….
Mto bom seus posts…. qnto à esse conto, fiquei com vontade de ler, já que a maioria dos contos de fadas originais (incluindo a bela adormecida, cinderela, pinóquio e outros) são ótimos por possuírem um enredo ótimo, além de drama, suspense e, muitas vezes, terror.
Vou ver se acho esse livro em uma livraria aki perto

Wilson
Wilson
17 de janeiro de 2010 6:28 pm

Olá Clandestini, parabéns pela resenha. O livro me pareceu bem interessante. Tem um bom tempo que não leio fantasia, bom saber que tem autores contemporâneos com histórias interessantes.
Um abraço!

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