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It’s Alive! Frankenstein, de Mary Shelley

Frankenstein é um clássico da literatura, não apenas por ter sido concebido por uma mulher de apenas 19 anos em pleno século XVII, mas por sua inovação. E para falar francamente, a leitura foi muito diferente do que eu esperava. Muito diferente inclusive do que eu imaginava da própria história. E é claro que a fala mais famosa do cinema quando o assunto é Frankenstein, “It’s Alive!”, não está presente no livro. Eu nunca vi um filme baseado na obra, apenas vi referências à películas antigas em produções mais recentes do cinema e da televisão. Talvez por isso a história da criatura criada por Frankenstein fosse uma grande nuvem de fumaça na minha cabeça, cheia de referências confusas sem ponto de apoio.

É bem verdade que eu não me entendi muito com o estilo do livro e o ritmo de leitura foi muito mais lento do que eu esperava. No entanto, o esqueleto da história é muito interessante. O Dr. Victor Frankenstein cria um monstro a partir de restos mortais que ele coleta por aí. Mas até chegar nesse ponto da história é um martírio. Primeiro tem um sujeito mandando cartas para a irmã contanto o quanto ele precisa viver uma aventura e como todas as outras pessoas são ignorantes, vulgares e sem um pingo de cultura, tornando impossível travar um diálogo no mínimo interessante com qualquer ser humano na face da Terra (eu conheço uma porção de gente assim!). Além do cara se achar a última bolachinha do pacote, ele está envolvido em uma viagem ao Polo Norte, e conta como essa viagem de navio rumo ao desconhecido está correndo.

Não consegue ver? Acesse o vídeo diretamente no Youtube.

Até ele encontrar no meio do nada o Doutor Frankenstein demora uma era. E quando ele encontra o tal Doutor começa a contar sua vida desde a mais tenra infância. Entretanto, quando ela finalmente começa tudo fica muito melhor. Claro que a história continua prolixa e cheia de voltas que parecem inoportunas. Shelly não conta a história de uma maneira fluida, mas usa um mecanismo de enquadramento inteligente (história dentro da história, dentro da história) que faz o final muito mais pungente dando mais emoção para os momentos finais da obra, na reviravolta derradeira da narrativa. Nesse emaranhado de histórias tem um momento em que a palavra está com a criatura criada por Frankenstein, e mesmo sendo confuso (quem narra é o próprio Doutor como se fosse a criatura) é uma das mais belas passagens do livro.

A criatura, injustamente chamada de monstro, é fascinante e me fez rever todos os vilões que conheço. Por que o que se segue é a tragédia de uma criatura criada pela arrogância e ambição de um homem considerado um gênio. A criatura sequer recebeu um nome de seu criador que aterrado ela aparência e pelas consequências do que fez passa a fugir de sua obra e de sua responsabilidade. Já o “monstro” não é bom nem mau, ele aprende a falar e a escrever, mas consciente de sua aparência ele não pode manter contato com os homens normais, aqueles que nasceram de pai e mãe. Ele tem plena consciência de sua condição não humana e ao mesmo tempo é mais humano do que qualquer um que cruza seu caminho. Sua feiura, suas medidas desproporcionais e a falta de jeito afastam as pessoas e pior do que isso, elas se assustam. E o medo delas é o pior que poderia acontecer, pois as pessoas dominadas pelo medo são capazes de coisas terríveis.

A criatura é um ser racional, o que faz com que ele apenas reaja racionalmente ao que ocorre a sua volta. Ele foi educado pelo livro O Paraíso Perdido, portanto ele vê o mundo a partir desse livro e se compara ao Adão de Milton, que também foi criado por um criador, mas que ao contrário dele recebeu ensinamentos e suporte, enquanto que ele foi abandonado. Enquanto Frankenstein se via atormentado pelo que tinha feito, seu monstro vivia também atormentado por sua condição e procurando por vingança. O título original da obra é Frankenstein: O Moderno Prometeu, pois o Doutor, como no mito grego, roubou o fogo do céu e ousou criar a vida. No entanto, o Dr. Frankenstein pode ser melhor comparado a Prometeu não pelo o crime de ter brincado de deus, mas pelo castigo eterno. No mito grago a águia bica a barriga de Prometeu pela eternidade, Frankenstein é atormentado por sua criatura que destrói qualquer coisa que tenha valor para o Doutor.

Eu fiquei do lado da criatura, primeiro porque eu não consigo acreditar numa personalidade como a do doutor, vivendo unicamente na virtude cristã, sem “desvios morais”. Além do mais, a grande questão é quem é realmente o monstro? O médico criou um sujeito que tem faculdades humanas e emoções, mas deixa-o vagando sozinho, sofrendo as mais terríveis provações. A criatura mata para chamar a atenção de seu criador e depois por vingança, para revidar aquilo que lhe foi destinado ao ser abandonado. E ainda tem o caráter do médico após sua experiência, que ele próprio julgou um erro. O médico sempre culpa o monstro por maltratar a ele e sua família, mas nunca considera a forma como ele tratou sua criatura.

Apesar do desapontamento das primeiras páginas (principalmente na parte epistolar da narrativa), de alguns problemas com conjunções e preposições da tradução (está na hora de rever essa tradução hein L&PM), da linguagem excessiva e de as mulheres serem praticamente inúteis para a narrativa e na narrativa, mesmo que eu não concorde com a desaprovação de Shelley para com a ciência, o texto cativou minha imaginação. E mesmo não dando medo como numa história de horror nos moldes modernos (o que nem teria como), é um passeio por uma aventura cheia de conflitos, assassinatos, gelo, vingança, e a completa ruína de um homem. Ao fim e ao cabo os pontos fortes do romance ultrapassam o método questionável (para mim) de contar histórias.

Frankenstein
Mary Shelley
256 páginas
Editora L&PM
Skoob | Goodreads | Compre no Submarino
[xrr rating=3.5/5]

Esse texto faz parte do projeto de blogagem coletiva Desafio Literário 2012. A resenha corresponde ao mês de Fevereiro, cujo objetivo é ler um livro no qual o título fosse composto apenas por um nome próprio.

Confira no blog do desafio as resenhas dos outros participantes para este mês. Ou descubra quais foram as minhas escolhas.

Participe, comente, leia. Gostou da ideia? Siga o @DL_2012 no twitter. Aproveita e segue a equipe do Desafio Literário 2012 no twitter também: @vivi@danihaendchen@queromorarlivr e eu, @clandestini.

Confira as leituras feitas para o Desafio Literário 2012:

Janeiro – Literatura Gastronômica: Julie & Julia: 365 dias, 524 receitas e 1 cozinha apertada, de Julie Powell.

Fevereiro – Nome Próprio: Frankenstein, de Mary Shelley

Anarca, feminista, vegana, cat lady, bookworm, roller derby, hiperbólica, entusiasta das plantas e constante aprendiz. Rainha de paus, professora de história, amante de histórias. Meu peito é de sal de fruta fervendo num copo d'água. ♀️✊Ⓥ

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Mi Müller
2 de março de 2012 9:57 am

Oi Dani!! Que resenha bacana, adoro o maneira como tu escreve sobre os livros. Tem duas coisas que acho super curiosas sobre esta obra a primeira é que a história é amplamente conhecida, mas poucos beberam da fonte original, poucas pessoas lerem mesmo a obra da Shelley e segundo que nunca entendi por que cargas d’água chamamos o monstro de Frankestein, sendo que na verdade esse é o nome do criador e não da criatura, enfim tem séculos que li esse livro e lendo o teu texto percebo que está na hora de uma releitura porque acho que minha pouca idade na época não me permitiu aproveitar a leitura de forma plena, pode ser que até mesmo essa minha cisma com o nome esteja lá e eu que não tenha percebido.
estrelinhas coloridas…

Gabi
6 de março de 2012 12:52 pm

Oi!
Eu nunca li, nem vi um filme do Frankenstein, mas tenho vontade de conhecer a história dele. Adorei a tua escrita e o modo como você escreve. Mas acho que pra mim, seria ainda mais difícil do que pra você ler esse livro, porque eu me frustro quando não consigo entender algumas partes da tradução =/
Beijo!

Bruna Damiana (Bruh Tyler)
12 de março de 2012 6:30 pm

Frankenstein é um dos meus livros favoritos, mas conheço muita gente que não se identificou com a narrativa. Me agradou muito o estilo (principalmente levando em consideração ter sido escrito por uma garota e para um desafio de escrita de histórias de terror!). Mas, realmente, as mulheres não exercem absolutamente nada fundamental na história (talvez a parceira do Victor, mas… nah…) e isso não se espera de uma escritora.

Quanto a tradução não posso dizer porque li o texto original. Mas me estranha a L&PM com uma tradução ruim. Boca no trombone mesmo! Acho que vale deixar um recadinho no FB pra eles. :]

Beijocas!

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29 de maio de 2012 7:17 pm

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13 de setembro de 2020 4:43 pm

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27 de setembro de 2020 8:00 pm

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