Lendo

Olhai os lírios do campo, de Erico Veríssimo

Não li muitos dos livros do autor gaúcho, mas pretendo ler todas as suas publicações. Porém, é inegável que a narrativa de Erico Veríssimo é sempre muito gostosa de ler. Ele tem o domínio das palavras. Em Olhai os lírios do campo, o livro que o tornou um escritor de sucesso, ele narra a história de Eugênio e seu amor por Olívia. O livro é dividido em duas partes e há uma diferença bastante grande entre elas. Essa distinção ocorre tanto na estrutura narrativa quanto na cadência da narrativa em si e da leitura.

Na primeira parte somos apresentados ao casal Eugênio e Olívia, na verdade somos apresentados ao médico Eugênio Fontes que recebe a notícia por telefone de que ela está em seu leito de morte no Hospital. Eugênio, casado com Eunice, vai para o Hospital para ver pela última vez seu verdadeiro amor. A partir daí os capítulos retomam o passado de Eugênio, ou Genoca – seu apelido de infância – e se intercalam com o trajeto do médico até o Hospital. Nesse passado descobrimos a infância pobre e infeliz, dada à pobreza do pai alfaiate, e o desejo de tornar-se um homem rico e livrar a família de todas as vergonhas geradas pela miséria. Descobrimos também como ele cresceu desejando ser médico e ajudar as pessoas, como ele entrou para a faculdade de medicina, se formou e se apaixonou por Olívia, como ele passou a ser ganancioso, detestar a pobreza e casou-se por dinheiro com Eunice.

Acompanhamos as humilhações e agonias pelas quais ele passou na infância e na adolescência, pois não se sentia parte do mundo em que vivia. Se por um lado passara a odiar a miséria da qual viera e na qual vivia, tão pouco encontrava lugar na escola em que estudava com uma espécie de bolsa de estudos na qual os pais pagavam a mensalidade da escola com trabalhos de limpeza. Na faculdade ele continuava com o mesmo sentimento de não pertencimento. Todos ali eram ricos, e ele ainda vivendo uma vida de misérias e vergonhas, ele tinha vergonha de sua pobreza. Eugênio passa por uma transformação: do menino ingênuo e humilhado que deseja uma vida digna para seus pais e estudar para ter a possibilidade de ajudar outros na mesma situação que ele e sua família, no médico que quer o seu consultório e levar uma vida boa, distante das suas origens.

Nas lembranças de Eugênio vemos o início do relacionamento dele com Olívia, como foi intenso e rápido, como ele optou por uma vida de bem estar ao lado de Eunice ao invés de uma vida simples ao lado da humilde Olívia. Olívia é uma personagem emblemática, que compreende completamente Eugênio e tenta fazê-lo enxergar sua transformação e em como ela pode não ser o melhor caminho a seguir.

Já na segunda parte vemos o presente de Eugênio após o triste final da primeira parte (que bem poderia ser o final do livro). A segunda parte é uma narrativa mais convencional, que conta a vida de Eugênio depois da morte de Olívia, em como ele passa por uma nova transformação, como ele se dá conta dos ensinamentos de sua amada e como ele passa a ser o homem que desejava quando menino. Ele segue a risca tudo que ela o ensinou, não sem antes viver um conflito moral e filosófico. Aliás, essa segunda parte é uma grande discussão filosófica, expressa nos diversos diálogos dele e o amigo Dr. Seixas sobre o papel da medicina na sociedade, sobre a desigualdade social e outras discussões político-filosóficas que acompanham alguns dos fatos que ocorrem com ele e com a família de Eunice.

A narrativa nessa segunda parte é um tanto menos interessante do meu ponto de vista, pois ela é uma espécie de complemento à primeira parte que não tinha necessidade de existir. O próprio Erico, no prefácio, afirma que via o livro como exageradamente sentimental, e realmente o é. Na primeira parte nem tanto, pois a trama é intensa e desperta o interesse do leitor, possui uma unidade narrativa. Entretanto, na segunda parte temos as cartas de Olívia (escritas e nunca enviadas para Eugênio) que possuem um caráter quase evangélico, e essa é uma das questões pontuais do livro: o existência de Deus. A transformação de Eugênio passa por esse questionamento durante toda a obra. Olívia afirma que ele existe e crê nele com todas as suas forças, e tenta fazer com que Eugênio também acredite. Ele tem dúvidas desde a infância da existência de um ser divino que zele ou decida pela vida dos homens. Além disso, a narração é uma sequência de episódios, alguns anedóticos, outros de discussão filosófico e pequenos saltos no tempo que diluem a história e diminuem o interesse do leitor.

Contudo, ler Erico Veríssimo é sempre uma boa experiência, e por mais que discorde em inúmeras das proposições filosóficas de Eugênio, e principalmente de Olívia, encontrei pontos de convergência com o Genoca da primeira e da segunda parte (no que diz respeito ao papel social da medicina e a organização da sociedade). Não é uma leitura rápida e nem tão fluida quanto eu esperava, mas com certeza uma leitura que vale o esforço e o tempo.

Olhai os lírios do campo
Erico Veríssimo
Editora Globo
290 páginas
Skoob | Goodreads
Nota: 3/5

Esse texto faz parte do projeto de blogagem coletiva Desafio Literário 2011, proposto pelo blog Romance Gracinha. A resenha corresponde ao mês de Agosto, cujo objetivo é ler clássicos da Literatura Brasileira.

Confira no blog do desafio as resenhas dos outros participantes para este mês. Ou descubra quais foram as minhas escolhas.

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Confira as outras leituras feitas para o Desafio Literário 2011:

Janeiro:
Coraline, Neil Gaiman
Memórias da Emília e Peter Pan, de Monteiro Lobato

Fevereiro
Che Guevara – a vida em vermelho, de Jorge G. Castañeda
O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira

Março
As Brumas De Avalon Livro 1 – A Senhora Da Magia, de Marion Zimmer Bradley
As Brumas De Avalon Livro 2 – A Grande Rainha, de Marion Zimmer Bradley

Abril
O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams
O Restaurante no Fim do Universo, de Douglas Adams
A Vida, o Universo e Tudo Mais, de Douglas Adams
Até mais, e obrigado pelos peixes!, de Douglas Adams
Praticamente Inofensiva, de Douglas Adams

Maio
A Última Trincheira, de Fábio Pannunzio
Esqueleto na lagoa verde, de Antonio Callado

Junho
Calabar – o elogio da traição, de Chico Buarque Ruy Guerra
Gota D’água, Chico Buarque e Paulo Pontes
As Relações Naturias: três comédias, Qorpo Santo

Julho
Nunca fui a garota papo-firme que o Roberto falou, de Cristiane Lisbôa
Areia nos Dentes, de Antônio Xerxenesky
elvis & madona [uma novela lilás], de Luiz Biajoni

Anarca, feminista, vegana, cat lady, bookworm, roller derby, hiperbólica, entusiasta das plantas e constante aprendiz. Rainha de paus, professora de história, amante de histórias. Meu peito é de sal de fruta fervendo num copo d'água. ♀️✊Ⓥ

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Mi Müller
18 de agosto de 2011 10:08 pm

Ah Dani eu adoro Érico… e adoro este livro os dois valem mesmo a pena a persistência. Ah e eu adoro tuas resenhas 🙂
estrelinhas coloridas…

Vivi
28 de agosto de 2011 10:29 pm

Gostei do livro quando o livro. Tenho um carinho muito grande por Érico Veríssimo que não se explica. 😉
Beijocas

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30 de dezembro de 2011 6:03 pm

[…] Olhai os lírios do campo, de Erico Veríssimo Morte e vida severina e outros poemas para vozes, de João Cabral de Melo Neto […]

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