Livro de faroeste com zumbis. Sim, para impressionar já de antemão. Como o Daniel Galera falou na primeira linha da orelha do livro: “Se tem zumbi no meio, só pode ser bom”. Acho essa frase muito verdadeira, com raríssimas exceções. E Areia nos Dentes definitivamente não é uma excessão. O livro está aí para confirmar que história com zumbi é boa de ver, de ler e de contar. Xerxenesky usa e abusa das referências cinematográficas para compor seu cenário inusitado: o oeste, aquele velho oeste de filme americano (seja ele filmado na Itália ou na Espanha, ou não). Confesso que o gênero de filmes nunca foi meu forte, que vi apenas o primeiro dos filmes da trilogia dos dólares e, que apesar da paixão pela trilha sonora, eu tive de revê-lo, pois da primeira vez eu dormi. Sim, eu gostei muito do filme, mas ainda não criei coragem para retomá-los.
Mas nem só de referência cinematográfica vive o primeiro romance de Xerxenesky. No romance tem também uma pequena referência à obra Romeu e Julieta de Shakespeare. A eterna briga entre duas famílias e o moço de um lado se apaixona pela moça da outra família. Mas esse não é o principal argumento. A história, ou as histórias, giram em torno da família Ramírez. Uma no passado. Outra no presente (2007). No presente o velho Juan Ramírez, na Cidade do México, resolve contar a história dos seus antepassados sem saber muito bem o porque de tal resolução repentina. No passado, os antepassados de Juan, uma família Ramírez cravada no meio de Mavrak, um lugar que bem poderia ser uma cidade-fantasma, se não fosse pelo fato de ser habitada (conforme ficamos sabendo durante a narrativa). O narrador, Juan Ramírez do presente enfrenta seus próprios medos e anseios enquanto escreve sua história sobre a rivalidade entre os Ramírez e os Marlowes.
A briga entre as duas famílias é antiga e começou nem se sabe como, de tanto tempo que faz. Miguel Ramírez, o patriarca, incumbe seu filho Martin de invadir a mansão dos Marlowe e descobrir o que eles estão armando no porão. Acontece que na manhã seguinte em que ele esteve lá (e não cumpriu sua missão), é encontrado morto em sua própria casa. o mistério está instalado no povoado. Quem matou Martín? Para Miguel isso é óbvio, foram os malditos Marlowes. Mas o que ninguém esperava era a chegada de um Xerife na cidade para resolver o mistério. O outro filho de Miguel, Juan (de onde vem o nome de nosso narrador) não é bem o tipo vingativo, cowboy ou herói, sequer sabe manejar uma pistola. Mas o foco narrativo paira sobre ele. Ele é o Romeu de uma Julieta Marlowe, ele quer ser aceito pelo pai, quer merecer o lugar do falecido irmão, quer honrar a morte de seu irmão, e aceita as ordens do pai de procurar um xamã no meio do deserto para pôr em prática uma vingança terrível contra a família rival.
No presente o Juan escritor também quer se acertar, mas com seu filho. Ele reflete sobre seu passado, sobre seu presente, sobre suas relações. Tudo a partir do que escreveu. Essa mistura de tempos não é a única brincadeira do livro. Temos uma constante brincadeira com a metalinguagem. E uma colagem de estilos, narração em terceira pessoa, em primeira pessoa, diálogos corridos como nas peças teatrais, tudo muito bem alinhavado, garantindo um ritmo interessante e delicioso à narrativa. Xerxenesky brinca com sua criação e com a forma de contá-la. As inovações e as brincadeiras ocorrem até mesmo com o próprio instrumento de criação do narrador, o computador onde toda a história está sendo criada, dão um tom ainda mais interessante a tudo isso.
Os zumbis demoram a aparecer, isso é fato. Mas quando aparecem, fazem justiça a aparição: tem muito sangue, muita carnificina, dramas pessoais, abandonos, mortes. Zumbis cambaleantes sedentos por carne humana. Tudo que sempre cai bem em boas histórias de zumbis. E a demora é justificada, a narrativa se constrói com todos os dramas e acontecimentos, com todas as reflexões e descrições brilhantes. E o seguinte trecho:
Meu filho, Martín. Minha esposa, Maria. Não sei por onde eles andam, se há como reavê-los. Se estão vivos ou se estão mortos. Enquanto fico nessa dúvida, não estão vivos, nem mortos. São mortos-vivos. Andando em passo arrastado pelas ruas arenonas da minha memória.
deixa muito claro que não são apenas os zumbis que importam nessa história. O tempo, o medo, a noite são elementos importantes para a narrativa e tão bem explorados que é a leitura é um deleite. E a areia marca a passagem do tempo, ela que dá cor ao deserto, ela que marca o vazio e o esquecimento, ela que cobre os mortos, ela que marca toda a narrativa dessa história surpreendente. É possível sentir a força da areia, sentir o calor do deserto.
Uma leitura gostosa, mas rápida demais. Depois que terminei de ler o livro fiquei querendo mais histórias, mais páginas, mais de Mavrak, mais dos Ramírez. Mais de Areia nos Dentes.
Areia nos Dentes
Antônio Xerxenesky
144 páginas
Editora Rocco
Nota: 5/5
Esse texto faz parte do projeto de blogagem coletiva Desafio Literário 2011, proposto pelo blog Romance Gracinha. A resenha corresponde ao mês de Julho, cujo objetivo é ler novos autores.
Confira no blog do desafio as resenhas dos outros participantes para este mês. Ou descubra quais foram as minhas escolhas.
Participe, comente, leia.
Gostou da ideia? Siga o @DL_2011 no twitter.
Aproveita e segue a equipe do Desafio Literário 2011 no twitter também:
@vivi, @danihaendchen, @queromorarlivr e eu, @clandestini.
Confira as outras leituras feitas para o Desafio Literário 2011:
Janeiro:
Coraline, Neil Gaiman
Memórias da Emília e Peter Pan, de Monteiro Lobato
Fevereiro
Che Guevara – a vida em vermelho, de Jorge G. Castañeda
O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira
Março
As Brumas De Avalon Livro 1 – A Senhora Da Magia, de Marion Zimmer Bradley
As Brumas De Avalon Livro 2 – A Grande Rainha, de Marion Zimmer Bradley
Abril
O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams
O Restaurante no Fim do Universo, de Douglas Adams
A Vida, o Universo e Tudo Mais, de Douglas Adams
Até mais, e obrigado pelos peixes!, de Douglas Adams
Praticamente Inofensiva, de Douglas Adams
Maio
A Última Trincheira, de Fábio Pannunzio
Esqueleto na lagoa verde, de Antonio Callado
Junho
Calabar – o elogio da traição, de Chico Buarque Ruy Guerra
Gota D’água, Chico Buarque e Paulo Pontes
As Relações Naturias: três comédias, Qorpo Santo
Julho
Nunca fui a garota papo-firme que o Roberto falou, de Cristiane Lisbôa
Amei a resenha! Vou atrás desse livro, já!
bjs
Arrasou! Confesso que fiquei mais tranquila quando disse que os zumbis não são os elementos mais importantes da história. Eu tenho uma cisma com eles…rs
[…] Areia nos dentes, Antonio Xerxenesky […]
[…] Nunca fui a garota papo-firme que o Roberto falou, de Cristiane Lisbôa Areia nos Dentes, de Antônio Xerxenesky elvis & madona [uma novela lilás], de Luiz […]
[…] Nunca fui a garota papo-firme que o Roberto falou, de Cristiane Lisbôa Areia nos Dentes, de Antônio Xerxenesky elvis & madona [uma novela lilás], de Luiz […]
[…] Nunca fui a garota papo-firme que o Roberto falou, de Cristiane Lisbôa Areia nos Dentes, de Antônio Xerxenesky elvis & madona [uma novela lilás], de Luiz […]